Monday, January 22, 2007

Eduardo Galeano irretocável !





Texto irretocável !

Eduardo Galeano e o império do consumo

Eduardo Galeano (*)


A explosão do consumo no mundo atual faz mais barulho do que todas as guerras e mais algazarra do que todos os carnavais. Como diz um velho provérbio turco, aquele que bebe a conta, fica bêbado em dobro. A gandaia aturde e anuvia o olhar; esta grande bebedeira universal parece não ter limites no tempo nem no espaço.

Mas a cultura de consumo faz muito barulho, assim como o tambor, porque está vazia; e na hora da verdade, quando o estrondo cessa e acaba a festa, o bêbado acorda, sozinho, acompanhado pela sua sombra
e pelos pratos quebrados que deve pagar. A expansão da demanda se choca com as fronteiras impostas pelo mesmo sistema que a gera. O sistema precisa de mercados cada vez mais abertos e mais amplos tanto
quanto os pulmões precisam de ar e, ao mesmo tempo, requer que estejam no chão, como estão, os preços das matérias primas e da força de trabalho humana. O sistema fala em nome de todos, dirige a todos suas imperiosas ordens de consumo, entre todos espalha a febre compradora; mas não tem jeito: para quase todo o mundo esta aventura começa e termina na telinha da TV. A maioria, que contrai dívidas para ter coisas, termina tendo apenas dívidas para pagar suas dívidas que geram novas dívidas, e acaba consumindo fantasias que, às vezes, materializa cometendo delitos. O direito ao desperdício, privilégio de poucos, afirma ser a liberdade de todos.

Dize-me quanto consomes e te direi quanto vales. Esta civilização não deixa as flores dormirem, nem as galinhas, nem as pessoas. Nas estufas, as flores estão expostas à luz contínua, para fazer com que cresçam mais rapidamente. Nas fábricas de ovos, a noite também está proibida para as galinhas. E as pessoas estão condenadas à insônia, pela ansiedade de comprar e pela angústia de pagar. Este modo de vida não é muito bom para as pessoas, mas é muito bom para a indústria farmacêutica. Os EUA consomem metade dos calmantes, ansiolíticos e demais drogas químicas que são vendidas legalmente no mundo; e mais da metade das drogas proibidas que são vendidas ilegalmente, o que não é uma coisinha à-toa quando se leva em conta que os EUA contam com apenas cinco por cento da população mundial.

«Gente infeliz, essa que vive se comparando», lamenta uma mulher no bairro de Buceo, em Montevidéu. A dor de já não ser, que outrora cantava o tango, deu lugar à vergonha de não ter. Um homem pobre é um pobre homem. «Quando não tens nada, pensas que não vales nada», diz um rapaz no bairro Villa Fiorito, em Buenos Aires. E outro confirma, na cidade dominicana de San Francisco de Macorís: «Meus irmãos trabalham para as marcas. Vivem comprando etiquetas, e vivem suando feito loucos para pagar as prestações».

Invisível violência do mercado: a diversidade é inimiga da rentabilidade, e a uniformidade é que manda. A produção em série, em escala gigantesca, impõe em todas partes suas pautas obrigatórias de consumo. Esta ditadura da uniformização obrigatória é mais devastadora do que qualquer ditadura do partido único: impõe, no mundo inteiro, um modo de vida que reproduz seres humanos como fotocópias do consumidor exemplar.

O consumidor exemplar é o homem quieto. Esta civilização, que confunde quantidade com qualidade, confunde gordura com boa alimentação. Segundo a revista científica The Lancet, na última década a «obesidade mórbida» aumentou quase 30% entre a
população jovem dos países mais desenvolvidos. Entre as crianças norte-americanas, a obesidade aumentou 40% nos últimos dezesseis anos, segundo pesquisa recente do Centro de Ciências da Saúde da Universidade do Colorado. O país que inventou as comidas e bebidas light, os diet food e os alimentos fat free, tem a maior quantidade de gordos do mundo. O consumidor exemplar desce do carro só para trabalhar e para assistir televisão. Sentado na frente da telinha, passa quatro horas por dia devorando comida plástica.

Vence o lixo fantasiado de comida: essa indústria está conquistando os paladares do mundo e está demolindo as tradições da cozinha local. Os costumes do bom comer, que vêm de longe, contam, em alguns países, milhares de anos de refinamento e diversidade e constituem um patrimônio coletivo que, de algum modo, está nos fogões de todos e não apenas na mesa dos ricos. Essas tradições, esses sinais de identidade cultural, essas festas da vida, estão sendo esmagadas, de modo fulminante, pela imposição do saber químico e único: a globalização do hambúrguer, a ditadura do fast food. A plastificação da comida em escala mundial, obra do McDonald´s, do Burger King e de outras fábricas, viola com sucesso o direito à autodeterminação da cozinha: direito sagrado, porque na boca a alma tem uma das suas portas.

A Copa do Mundo de futebol de 1998 confirmou para nós, entre outras coisas, que o cartão MasterCard tonifica os músculos, que a Coca-Cola proporciona eterna juventude e que o cardápio do McDonald´s
não pode faltar na barriga de um bom atleta. O imenso exército do McDonald´s dispara hambúrgueres nas bocas das crianças e dos adultos no planeta inteiro. O duplo arco dessa M serviu como estandarte, durante a recente conquista dos países do Leste Europeu.

As filas na frente do McDonald´s de Moscou, inaugurado em 1990 com bandas e fanfarras, simbolizaram a vitória do Ocidente com tanta eloqüência quanto a queda do Muro de Berlim. Um sinal dos tempos: essa empresa, que encarna as virtudes do mundo livre, nega aos seus empregados a liberdade de filiar-se a qualquer sindicato. O McDonald´s viola, assim, um direito legalmente consagrado nos muitos países onde opera. Em 1997, alguns trabalhadores, membros disso que a empresa chama de Macfamília, tentaram sindicalizar-se em um restaurante de Montreal, no Canadá: o restaurante fechou. Mas, em 98, outros empregados do McDonald´s, em uma pequena cidade próxima a Vancouver, conseguiram essa conquista, digna do Guinness.

As massas consumidoras recebem ordens em um idioma universal: a publicidade conseguiu aquilo que o esperanto quis e não pôde.

Qualquer um entende, em qualquer lugar, as mensagens que a televisão transmite. No último quarto de século, os gastos em propaganda dobraram no mundo todo. Graças a isso, as crianças pobres bebem cada vez mais Coca-Cola e cada vez menos leite e o tempo de lazer vai se tornando tempo de consumo obrigatório. Tempo livre, tempo prisioneiro: as casas muito pobres não têm cama, mas têm televisão, e a televisão está com a palavra. Comprado em prestações, esse animalzinho é uma prova da vocação democrática do progresso: não escuta ninguém, mas fala para todos.

Pobres e ricos conhecem, assim, as qualidades dos automóveis do último modelo, e pobres e ricos ficam sabendo das vantajosas taxas de juros que tal ou qual banco oferece. Os especialistas sabem transformar as
mercadorias em mágicos conjuntos contra a solidão. As coisas possuem atributos humanos: acariciam, fazem companhia, compreendem, ajudam, o perfume te beija e o carro é o amigo que nunca falha. A cultura do
consumo fez da solidão o mais lucrativo dos mercados.

Os buracos no peito são preenchidos enchendo-os de coisas, ou sonhando com fazer isso. E as coisas não só podem abraçar: elas também podem ser símbolos de ascensão social, salvo-condutos para atravessar as
alfândegas da sociedade de classes, chaves que abrem as portas proibidas. Quanto mais exclusivas, melhor: as coisas escolhem você e salvam você do anonimato das multidões. A publicidade não informa sobre o produto que vende, ou faz isso muito raramente. Isso é o que menos importa. Sua função primordial consiste em compensar frustrações e alimentar fantasias. Comprando este creme de barbear, você quer se transformar em quem?

O criminologista Anthony Platt observou que os delitos das ruas não são fruto somente da extrema pobreza. Também são fruto da ética individualista. A obsessão social pelo sucesso, diz Platt, incide decisivamente sobre a apropriação ilegal das coisas. Eu sempre ouvi
dizer que o dinheiro não trás felicidade; mas qualquer pobre que assista televisão tem motivos de sobra para acreditar que o dinheiro trás algo tão parecido que a diferença é assunto para especialistas.

Segundo o historiador Eric Hobsbawm, o século XX marcou o fim de sete mil anos de vida humana centrada na agricultura, desde que apareceram os primeiros cultivos, no final do paleolítico. A população mundial torna-se urbana, os camponeses tornam-se cidadãos. Na América Latina temos campos sem ninguém e enormes formigueiros urbanos: as maiores cidades do mundo, e as mais injustas. Expulsos pela agricultura moderna de exportação e pela erosão das suas terras, os camponeses invadem os subúrbios. Eles acreditam que Deus está em todas partes, mas por experiência própria sabem que atende nos grandes centros urbanos.

As cidades prometem trabalho, prosperidade, um futuro para os filhos. Nos campos, os esperadores olham a vida passar, e morrem bocejando; nas cidades, a vida acontece e chama. Amontoados em cortiços, a primeira coisa que os recém chegados descobrem é que o trabalho falta e os braços sobram, que nada é de graça e que os artigos de luxo mais caros são o ar e o silêncio.

Enquanto o século XIV nascia, o padre Giordano da Rivalto pronunciou, em Florença, um elogio das cidades. Disse que as cidades cresciam «porque as pessoas sentem gosto em juntar-se». Juntar-se, encontrar-se. Mas, quem encontra com quem? A esperança encontra-se com a realidade? O desejo, encontra-se com o mundo? E as pessoas, encontram-se com as pessoas?Se as relações humanas foram reduzidas a relações entre coisas, quanta gente encontra-se com as coisas?

O mundo inteiro tende a transformar-se em uma grande tela de televisão, na qual as coisas se olham mas não se tocam. As mercadorias em oferta invadem e privatizam os espaços públicos.

Os terminais de ônibus e as estações de trens, que até pouco tempo atrás eram espaços de encontro entre pessoas, estão se transformando, agora, em espaços de exibição comercial. O shopping center, o centro comercial, vitrine de todas as vitrines, impõe sua presença esmagadora. As multidões concorrem, em peregrinação, a esse templo maior das missas do consumo. A maioria dos devotos contempla, em êxtase, as coisas que seus bolsos não podem pagar, enquanto a minoria compradora é submetida ao bombardeio da oferta incessante e extenuante. A multidão, que sobe e desce pelas escadas mecânicas, viaja pelo mundo: os manequins vestem como em Milão ou Paris e as máquinas soam como em Chicago; e para ver e ouvir não é preciso pagar passagem. Os turistas vindos das cidades do interior, ou das cidades que ainda não mereceram estas benesses da felicidade moderna, posam para a foto, aos pés das marcas internacionais mais famosas, tal e como antes posavam aos pés da estátua do prócer na praça.

Beatriz Solano observou que os habitantes dos bairros suburbanos vão ao center, ao shopping center, como antes iam até o centro. O tradicional passeio do fim-de-semana até o centro da cidade tende a ser substituído pela excursão até esses centros urbanos. De banho
tomado, arrumados e penteados, vestidos com suas melhores galas, os visitantes vêm para uma festa à qual não foram convidados, mas podem olhar tudo. Famílias inteiras empreendem a viagem na cápsula
espacial que percorre o universo do consumo, onde a estética do mercado desenhou uma paisagem alucinante de modelos, marcas e etiquetas.

A cultura do consumo, cultura do efêmero, condena tudo à descartabilidade midiática. Tudo muda no ritmo vertiginoso da moda, colocada à serviço da necessidade de vender. As coisas envelhecem num piscar de olhos, para serem substituídas por outras coisas de vida fugaz. Hoje, quando o único que permanece é a insegurança, as mercadorias, fabricadas para não durar, são tão voláteis quanto o capital que as financia e o trabalho que as gera. O dinheiro voa na velocidade da luz: ontem estava lá, hoje está aqui, amanhã quem sabe onde, e todo trabalhador é um desempregado em potencial.

Paradoxalmente, os shoppings centers, reinos da fugacidade, oferecem a mais bem-sucedida ilusão de segurança. Eles resistem fora do tempo, sem idade e sem raiz, sem noite e sem dia e sem memória, e
existem fora do espaço, além das turbulências da perigosa realidade do mundo.

Os donos do mundo usam o mundo como se fosse descartável: uma mercadoria de vida efêmera, que se esgota assim como se esgotam, pouco depois de nascer, as imagens disparadas pela metralhadora da
televisão e as modas e os ídolos que a publicidade lança, sem pausa, no mercado. Mas, para qual outro mundo vamos nos mudar? Estamos todos obrigados a acreditar na historinha de que Deus vendeu o planeta para umas poucas empresas porque, estando de mau humor, decidiu privatizar o universo? A sociedade de consumo é uma armadilha para pegar bobos.

Aqueles que comandam o jogo fazem de conta que não sabem disso, mas qualquer um que tenha olhos na cara pode ver que a grande maioria das pessoas consome pouco, pouquinho e nada, necessariamente, para garantir a existência da pouca natureza que nos resta. A injustiça social não é um erro por corrigir, nem um defeito por superar: é uma necessidade essencial. Não existe natureza capaz de alimentar um shopping center do tamanho do planeta.

(*) Eduardo Hughes Galeano (Montevidéu, 3 de setembro de 1940) é um jornalista e escritor uruguaio.

Suas obras já foram traduzidas em diversas línguas. Costuma escrever seus livros no formato de pequenas histórias que contempla desde assuntos políticos relevantes na história da América Latina até assuntos simples, como o cotidiano e o futebol.

Uma de suas obras de maior relevância política e importância é "As Veias Abertas da América Latina", livro em que relata a exploração sofrida pelas nações latino-americanas, desde a formação dos impérios hispânico e português, passando pelo assédio inglês e estadunidense, pelo arrocho imposto pela economia internacional, até os dias de hoje.

Tradução: Verso Tradutores

Friday, January 05, 2007

Sentença de Saddam - Uma farsa jurídica made in USA

Sobre o trecho:

"Em 1988, por exemplo, com a Guerra Irã-Iraque perdida, o futuro alimentador de pássaros já mostrava certo talento como alimentador de curdos. Não necessariamente com migalhas do almoço; mas com armamento químico, enviado diretamente dos céus."

Ele se esqueceu que um dos principais fornecedores de matérias primas para armas químicas de Sadam eram os EUA, mais precisamente uma empresa de ... Donald Rumsfield - pode-se checar esse dado na Internet ou na revista carta capital.

O Estado do Iraque, criado pela Inglaterra no pós 2 guerra, unia - deliberadamente - 3 etnias evidentemente rivais e que sempre se mataram mutuamente - tudo pra aliviar os cofres públicos do já fálido - e sempre mesquinho - império britânico.

Saddam era uma cria dos EUA, ele subiu em 79, exatamente o mesmo ano que os EUA foram escorraçados do Irã, país, diga-se de passagem, no qual os EUA colocou um dotador muito pior que Sadam - o Xá - que, curiosamente o Jão esqueceu. Ah! O Regime do chá perdurou por trinta e tres anos (1946 - 1979), um regime de repressão brutal e anti democrático. Questiona-se: Onde a defesa da libertadade dos (Ladrões) americanos ??

A exemplo do Irã, os EUA, desde o pos guerra financiou descaradamente diversas - e selvagens - ditaduras.

Questiona-se: Por que nao se capturou Sadam em 1991 ?? Por que 12 anos de embargo economico - que matou 600 mil crianças de fome - se o Iraque já desocupara o Kwait ????? Por que destruir a economia de um país já derrotado ??

Questiona-se, dadas a Hipocrisia imensa, a miopia, o materialismo selvagem que norteia a política externa dos EUA desde 1945, por que nao enviar à forca - ou à moda americana - camara de gás ou cadeira elétrica, todos os presidentes desse país, à excessao de Jimmy Carter ??

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Uma farsa jurídica: Corte iraquiana confirma a sentença de morte de Saddam Hussein
Por Peter Symonds
4 Janeiro 2007



A confirmação da sentença de morte contra Saddam Hussein, noticiada na terça-feira (26/12), é o ato final em uma farsa jurídica orquestrada por Washington. A Corte de Apelações Iraquiana confirmou o veredicto contra Saddam e dois de seus cúmplices—Barzan Ibrahim al-Tikriti e Awad Hamed al-Bandar—expedido em 5 de novembro, devido à execução de 148 xiitas da cidade de Dujail, em 1982. Com a recusa da única possibilidade de apelação, os três podem ser enforcados a qualquer momento, nos próximos 30 dias.
O porta-voz da Casa Branca, Scott Stanzel, louvou a decisão da corte, declarando que ela era “um marco importante” nos esforços “de substituir o domínio de um tirano pelo domínio da lei”. Na realidade, o governo Bush tem demonstrado freqüentemente seu desprezo pelas normas legais básicas, passando por cima de leis norte-americanas e internacionais. O governo Bush pressionou para que a execução de Saddam fosse aprovada, como um meio de demonstrar ao mundo a sua capacidade de eliminar seus oponentes.
A decisão da Corte de Apelações não causa nenhuma surpresa. Do começo ao fim, o julgamento de Saddam e figuras-chave no seu regime fez parte do teatro político, cujo resultado já havia sido pré-determinado. O governo Bush recusou-se a colocar o antigo homem-forte iraquiano num tribunal internacional, redigiu as frágeis leis para a Suprema Corte Iraquiana e supervisionou cada aspecto do caso por meio de uma enorme equipe de advogados norte-americanos, estabelecidos na embaixada dos EUA em Bagdá.
O governo-fantoche iraquiano, predominantemente xiita, interferiu abertamente no julgamento, explorando-o para aumentar seu apoio social. Pouco após o veredicto ser anunciado, em novembro, o primeiro-ministro iraquiano, Nuri al-Maliki, antecipou o resultado do processo de apelação, dizendo à BBC que ele esperava que Saddam fosse enforcado antes do fim do ano. É significativo que a decisão tomada ontem não tenha sido anunciada pela Corte de Apelações, mas por um ministro do governo—o Conselheiro de Segurança Nacional, Mouwafak al-Rubaie.
Especialistas em direito internacional e defensores dos direitos humanos têm criticado freqüentemente o processo jurídico. Numa declaração realizada terça-feira (26/12), o Observatório dos Direitos Humanos (ODH), baseado nos EUA, descreveu o julgamento como “profundamente frágil” e pediu para que o governo iraquiano não realize a execução. Um relatório detalhado de 97 páginas do ODH sobre o caso de Dujail, publicado no último mês, destacou numerosas falhas elementares no processo jurídico, acusando o governo de ter interferido no julgamento. O relatório concluiu que a conduta da corte refletiu “uma falta de compreensão dos princípios básicos de um julgamento”.
Em Janeiro de 2006, o juiz chefe no caso, Rizgar Muhammed Amin, foi forçado a renunciar, após a denúncia feita por altos membros do governo, de que ele teria dado muito tempo de manobra aos acusados e aos advogados de defesa. Seu substituto, Raouf Abdel Rahman, cancelou várias vezes os protestos da defesa, expulsando os acusados e seus advogados da corte. A recusa da defesa em legitimar uma corte estabelecida através de uma invasão ilegal foi simplesmente ignorada. O ex-procurador-geral nos EUA, Ramsay Clark, que fez parte da equipe de defesa de Hussein, descreveu, na terça-feira (26/12) o processo legal como uma paródia.
O objetivo do julgamento nunca foi o de realizar justiça. A primeira acusação foi deliberadamente confinada aos assassinatos de Dujail, em 1982, a fim de evitar qualquer referência à íntima colaboração de Washington com o antigo homem-forte iraquiano, particularmente no fim dos anos 80. O governo Bush sabia muito bem que Saddam poderia seguir o exemplo do ex-presidente sérvio, Slobodan Milosevic, e envolver os EUA nos crimes do regime Baathista.
Depois da queda do Xá do Irã em 1979, os EUA estimularam de maneira ativa Saddam Hussein a invadir o Irã, em 1980, como um meio de enfraquecer o recém-formado regime islâmico. O incidente em Dujail ocorreu em meio a uma série de derrotas do exército iraquiano na Guerra Irã-Iraque. A execução dos homens e meninos da cidade de Dujail foi realizada como represália à tentativa de assassinato de Saddam por membros do Dawa—o mesmo partido islâmico a qual pertence o primeiro-ministro Maliki.
Em 1983 e 1984, o ex-secretário da defesa, Donald Rumsfeld, foi enviado à Bagdá na condição de embaixador presidencial especial a fim de fortalecer os laços com o regime de Saddam. Após essa visita, os EUA providenciaram assistência econômica e militar ao Iraque, incluindo o desenvolvimento de armas químicas, que eram usadas contra as tropas iranianas e os curdos aliados ao Irã. Um segundo julgamento está, no presente momento, a caminho, sobre as atrocidades contra os curdos no fim dos anos 80—a chamada campanha Anfal. Há, logicamente, um completo silêncio na corte sobre a cumplicidade norte-americana.
Se os crimes de Saddam são inquestionáveis, o governo Bush também é diretamente responsável pelos enormes crimes de guerra no Iraque. Estimativas apontam que mais de 650 mil iraquianos morreram como resultado direto da invasão e ocupação ilegal do país—liderada pelos EUA. A acusação da qual Saddam foi condenado—uma represália de uma tentativa de assassinato—é o procedimento padrão para os militares norte-americanos no Iraque, que impiedosamente bombardeiam e destroem prédios e vilas suspeitos de abrigarem rebeldes anti-ocupação.
A invasão de casas e as prisões de iraquianos fazem parte da rotina das tropas dos EUA. Milhares continuam presos sem julgamento em penitenciárias norte-americanas, sujeitos a tortura. Prisioneiros de primeiro escalão simplesmente desaparecem dentro do gulag norte-americano de prisões secretas e câmaras de tortura. Muitos dos esquadrões da morte xiitas que agora são criticados na imprensa norte-americana têm suas origens na “opção Salvador”, implantada em 2004, seguindo os conselhos do embaixador dos EUA, John Negroponte. Esquadrões da morte, que operam sob a proteção do Ministro do Interior, são considerados os responsáveis pelo assassinato de três dos advogados de defesa de Saddam Hussein.
O anúncio da Corte de Apelações coincide com os planos do governo Bush para uma escalada de violência contra o povo iraquiano. O presidente Bush está se preparando para anunciar o envio de 20 mil a 50 mil soldados ao Iraque, numa ofensiva sangrenta em Bagdá e na província ocidental de Anbar, contra os rebeldes anti-EUA e a milícia xiita do clérigo Moqtada al-Sadr. O que está sendo preparado é um crime que superará tudo o que Saddam já fez.
Os responsáveis pela invasão criminosa e ocupação do Iraque—Bush, Cheney e o resto dos gangsters na Casa Branca—deveriam ser todos julgados por crimes de guerra.

Wednesday, January 03, 2007

Nada é impossível de mudar





Não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural, nada deve parecer impossível de mudar.

Bertolt Brecht

Em 2007, espero ...

Um tempo menos massificado,
menos fabricado,
um que não seja mercantilizado !
por mais difícil que isso pareça ...

um tempo,
no qual, juntos,
possamos,
fazê-lo mais espontâneo, humano,
consciente, questionador,

Inspirado,

um ano, nem moderno,
Muito menos pós moderno,
um ano, um tempo,
que, transcendendo a todo rótulo,
todo plástico, todo estereótipo
traduza, reflita,
nosso demasiadamente humano,
interior,
uma ponte que una diversidades,
plural e único, único em si mesmo,
Que nele possamos dizer sim,
mas
também não,
não à lógica meramente instrumental,
utilitarista,
da míope ganância sem face do capitalismo,
cujo fim único é a acumulação;
Não à Idolatria para com as mercadorias (grande nada escravagista fabricado),
Idolatria à nada,
Sim à gratuidade,
à verdade
à vida,
ao AMOR

Luciano Corsi

Ano Novo, por Drummond

Receita de ano novo



Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)



Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.



Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.