Monday, February 20, 2006

O menino da sua mãe

Fernando Pessoa

No plano abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas trespassado
- Duas, de lado a lado -,
Jaz morto e arrefece.

Raia-lhe a farda o sangue.
De braços estendidos, ele está ainda
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos

Tão jovem! Que jovem era!
(Agora que idade tem?)
Filho único, a mãe lhe dera
Um nome e mantivera:
"O menino de sua mãe".

Caiu-lhe do bolso
A cigarreira breve.
Dera-lhe a mãe. Está inteira
E boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.

Do outro bolso
A brancura embainhada
De um lenço... Deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.

Lá longe, em casa, há a prece:
"Que volte cedo, e bem!"
(malhas que a ditadura tece!)
Jaz morto, e apodrece,
O menino de sua mãe.

Sobre o(a) autor(a):
Fernando Pessoa (1888 - 1935) nasceu em Lisboa.
Considerado um dos mais importantes poetas modernistas.
Criou heterônimos famosos como Alberto Caieiro, Ricardo Reis e Álvaro Campos.

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