Thursday, September 21, 2006

Íntegra do discurso de Hugo Chávez na ONU







Tradução: Fernanda Brozoski. Proyecto Emancipación. Secretariado de Organização do Congresso Bolivariano dos Povos


Discurso do Presidente da República Bolivariana de Venezuela, Hugo Chávez Frías na Sexagésima Assembléia Geral da Organização de Nações Unidas (ONU). Nova York. Quinta-feira, 15 de setembro de 2005

Excelências, amigas e amigos, boa tarde:

O propósito original desta reunião foi desvirtuado totalmente. Nos foi imposto como centro do debate um mal chamado processo de reformas, que relega a um segundo plano o mais urgente, o que os povos do mundo reclamam com urgência, como o é a adoção de medidas para enfrentar os verdadeiros problemas que põem obstáculos e impedem os esforços de nossos países pelo desenvolvimento e pela vida.

Cinco anos depois da Cúpula do Milênio, a crua realidade é que a grande maioria das metas desenhadas, levando em conta que já eram modestíssimas, não serão atingidas.

Pretendemos reduzir à metade os 842 milhões de famintos para o ano 2015. Ao ritmo atual a meta seria alcançada no ano 2215. Quem de nós estaria ali para celebrá-lo, se é que a espécie humana consegue sobreviver a destruição que ameaça nosso médio ambiente?

Tínhamos proclamado a aspiração de alcançar no ano de 2015 o ensino primário universal. Ao ritmo atual a meta será atingida depois do ano 2100, preparemos-nos para celebrá-lo.

Isto, amigas e amigos do mundo, nos leva de maneira irreversível a uma amarga conclusão: as Nações Unidas esgotaram seu modelo, e não se trata simplesmente de realizar uma reforma, o século XXI exige mudanças profundas que só são possíveis com uma refundação desta Organização. Isto não serve, é necessário dizê-lo, é a pura verdade.

Essas transformações, as quais desde a Venezuela nos referimos ao mundo, têm para nós, segundo nosso ponto de vista, dois tempos: o imediato, o de agora mesmo; e o dos sonhos, o da utopia. O primeiro está marcado pelos acordos baseados no velho esquema, do qual não nos esquivamos, e trazemos, inclusive, propostas concretas a curto prazo dentro desse modelo. Mas o sonho desta paz mundial, o sonho de um "nós" que não cause vergonha pela fome, pela doença, pelo analfabetismo, pela necessidade extrema, precisa -além de raízes- asas para voar.

Precisamos asas para voar, sabemos que há uma globalização neoliberal aterrorizadora, mas também existe a realidade de um mundo interconectado, que temos que enfrentar não como um problema, mas sim como um desafio. Podemos, sobre a base das realidades nacionais, intercambiar conhecimentos, complementar-nos, integrar mercados, mas ao tempo devemos entender que há problemas que já não têm solução nacional; nem a nuvem radioativa, nem os preços mundiais, nem uma pandemia, nem o aquecimento do planeta ou o buraco da camada de ozônio são problemas nacionais.

Enquanto avançamos para um novo modelo das Nações Unidas, que faça verdadeiro e seu esse "nós" dos povos, há quatro reformas urgentes e irrenunciáveis que trazemos a esta Assembléia.

A primeira, a expansão do Conselho de Segurança tanto em suas categorias permanentes como nas não permanentes, dando entrada a novos países desenvolvidos e a países em desenvolvimento como novos membros permanentes.

A segunda, a necessária melhora dos métodos de trabalho para aumentar a transparência e não para diminuí-la, para aumentar o respeito e não para diminuí-lo, para aumentar a inclusão.

A terceira, a supressão imediata, faz seis anos que seguimos dizendo desde a Venezuela, a supressão imediata do veto nas decisões do Conselho de Segurança, esse vestígio elitesco é incompatível com a democracia, incompatível por si só com a idéia de igualdade e de democracia.

E em quarto lugar, o fortalecimento do papel do Secretário Geral, suas funções políticas no marco da diplomacia preventiva deve ser consolidado. A gravidade dos problemas convoca transformações profundas, as meras reformas não bastam para recuperar o "nós" que esperam os povos do mundo, além das reformas exigimos desde a Venezuela a refundação das Nações Unidas, e como bem sabemos na Venezuela, pelas palavras de Simón Rodríguez, o Robinson de Caracas: "Ou inventamos ou erramos".

Na reunião de janeiro passado, neste ano de 2005, estivemos no Fórum Social Mundial em Porto Alegre , diferentes personalidades ali pediram que a sede das Nações Unidas saísse dos Estados Unidos se continuassem as violações à legalidade internacional por parte deste país. Hoje sabemos que nunca existiram armas de destruição em massa no Iraque, o povo estadunidense sempre foi muito rigoroso com a exigência da verdade a seus governantes, os povos do mundo também: nunca houve armas de destruição em massa e apesar disso, e acima das Nações Unidas, Iraque foi bombardeado, ocupado e continua ocupado.

Por isso propomos a esta Assembléia que as Nações Unidas saiam de um país que não é respeitoso com as próprias resoluções desta Assembléia. Algumas propostas assinalaram a uma Jerusalém convertida em cidade internacional como uma alternativa. A proposta tem a generosidade de propor uma resposta ao conflito que vive Palestina, mas talvez tenha arestas que façam difícil levar a cabo essa idéia. Por isso trazemos aqui outra proposta, ancorada na Carta de Jamaica, que escreveu Simón Bolívar, o grande Libertador do Sul, na Jamaica, em 1815, há 190 anos. Aí propôs Bolívar a criação de uma cidade internacional que servisse de sede à idéia de unidade que propunha. Bolívar era um sonhador que sonhou o que hoje são nossas reali dades.

Acreditamos que já é hora de pensar na criação de uma cidade internacional alheia à soberania de qualquer Estado, com a força própria da moralidade de representar as nações do mundo; mas esta cidade internacional tem que reequilibrar cinco séculos de desequilíbrio. A nova sede das Nações Unidas tem que estar no Sul, "O Sul também existe!", disse Mario Benedetti. Essa cidade que pode ser que já exista, ou podemos inventá-la, pode estar onde se cruzem várias fronteiras ou em um território que represente o mundo, nosso continente está à disposição de oferecer este solo sobre o qual edificar o equilíbrio do universo ao que se referiu Bolívar em 1825.

Senhoras, senhores, enfrentamos hoje uma crise energética sem precedentes no mundo, na qual se combinam perigosamente um desenfreado incremento do consumo energético, a incapacidade de aumentar a oferta de hidrocarbonetos e a perspectiva de uma queda nas reservas provadas de combustíveis fósseis. Começa a esgotar-se o petróleo.

Para o ano 2020 a demanda diária de petróleo será de 120 milhões de barris, com o qual, inclusive sem levar em conta futuros crescimentos, se consumiria em 20 anos uma cifra similar a todo o petróleo que gastou a humanidade até o momento, o que significará, inevitavelmente, um aumento nas emissões de dióxido de carbono que, como se sabe, incrementa a cada dia a temperatura de nosso planeta.

Katrina foi um doloroso exemplo das conseqüências que pode trazer ao homem ignorar estas realidades. O aquecimento dos oceanos é, por sua vez, o fator fundamental por trás do demolidor incremento da força dos furacões que vimos nos últimos anos. Vale a ocasião para transmitir mais uma vez nossa dor e nosso pesar ao povo dos Estados Unidos, que é um povo irmão dos povos da América também, e dos povos do mundo.

É prática e eticamente inadmissível sacrificar a espécie humana invocando de maneira demencial a vigência de um modelo socio-econômico com uma galopante capacidade destrutiva. É suicida disseminá-lo e impô-lo como remédio infalível para os males dos quais ele é, precisamente, o principal causador.

Há pouco tempo o senhor Presidente de Estados Unidos assistiu a uma reunião da Organização de Estados Americanos e propôs à América Latina e ao Caribe incrementar as políticas de mercado, a abertura de mercado, isto é, o neoliberalismo, quando esta é precisamente a causa fundamental dos grandes males e as grandes tragédias que vivem nossos povos: o capitalismo neoliberal, o Consenso de Washington é o que gerou um maior grau de miséria, de desigualdade e uma tragédia infinita aos povos deste continente.

Agora mais do que nunca precisamos, senhor Presidente, uma nova ordem internacional, recordemos que a Assembléia Geral das Nações Unidas em seu sexto período extraordinário de sessões, celebrado em 1974, alguns que estão aqui não tinham nascido, seguramente, ou estavam muito pequenos.

Em 1974, há 31 anos adotou a declaração e o programa de ação sobre uma nova Ordem Econômica Internacional. Junto com o plano de ação a Assembléia Geral adotou, no dia 14 de dezembro daquele ano de 1974, a Carta de Direitos e Deveres Econômicos dos Estados que concretou a Nova Ordem Econômica Internacional, sendo aprovada pela maioria, com 120 votos a favor, 6 contra e 10 abstenções - isto era quando se votava nas Nações Unidas -, porque agora aqui não se vota, agora aqui se aprovam documentos como este documento que eu denuncio em nome da Venezuela, como inválido, nulo e ilegal, foi aprovado violando o regulamento das Nações Unidas, não é válido este documento!

Este documento deverá ser discutido, o Governo de Venezuela vai dar a conhecer ao mundo, mas nós não podemos aceitar a ditadura aberta e descarada nas Nações Unidas, estas coisas são para discutí-las e para isso faço um chamado muito respeitoso a meus colegas Chefes de Estado e Chefes de Governo.

Agora a pouco me reunia com o presidente Néstor Kirchner e, bom, eu mostrava o documento; este documento foi entregue cinco minutos antes, só em inglês, aos nossos delegados e foi aprovado com uma martelada ditatorial, que denuncio diante do mundo como ilegal, inválido, nulo e ilegítimo.

Ouça uma coisa, senhor Presidente, se nós vamos aceitar isto estamos perdidos, apaguemos a luz e fechemos as portas e fechemos as janelas! Seria o último: que aceitemos a ditadura aqui neste salão!

Agora mais do que nunca -dizíamos- requeremos retomar, retomar coisas que ficaram no caminho, como a proposta aprovada nesta Assembléia em 1974 de uma Nova Ordem Econômica Internacional. Para recordar algo, digamos o seguinte, o Artigo 2 do texto daquela carta, confirma o direito dos estados de nacionalizar as propriedades e os recursos naturais que se encontravam em mãos de investidores estrangeiros, propondo igualmente a criação de cartéis de produtores de matérias primas. Na sua Resolução 3.201 de maio de 1974, expressou a determinação de trabalhar com urgência para estabelecer uma Nova Ordem Econômica Internacional baseada -me escutem bem, rogo-vos- "na equidade, na igualdade soberana, na interdependência, no interesse comum e na cooperação entre todos os estados, quaisquer que sejam seus sistemas econômicos e sociais; que corrija as desigualdades e conserte as injustiças entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento, e assegure às gerações presentes e futuras, a paz, a justiça e um desenvolvimento econômico e social que seja acelerado a ritmo sustentado", fecho aspas, estava lendo parte daquela Resolução histórica de 1974.

O objetivo da Nova Ordem Econômica Internacional era modificar a velha ordem econômica concebida em Breton Woods.

Creio que o Presidente de Estados Unidos falou aqui durante uns 20 minutos o dia de ontem, segundo me informaram, eu peço permissão, Excelência, para terminar minha alocução.

O objetivo da Nova Ordem Econômica Internacional era modificar a velha ordem econômica concebida em Breton Woods em 1944, e que teria uma vigência até 1971, com o desabamento do sistema monetário internacional: só boas intenções, nenhuma vontade para avançar por esse caminho, e nós acreditamos que esse era, e esse continua sendo o caminho.

Hoje reclamamos a partir dos povos, neste caso o povo da Venezuela, uma nova ordem econômica internacional, mas também resulta imprescindível uma nova ordem política internacional, não permitamos que um punhado de países tente reinterpretar impunemente os princípios do Direito Internacional para dar voz a doutrinas como a "Guerra Preventiva", e se nos ameaçam com a guerra preventiva, e a agora denominada "Responsabilidade de Proteger"; mas é preciso perguntar: Quem vai proteger-nos? Como vão proteger-nos?

Eu acredito que um dos povos que necessita proteção é o povo de Estados Unidos, está demonstrado agora dolorosamente com a tragédia de Katrina: não tem governo que o proteja dos desastres anunciados da natureza, se é que vamos falar de proteger-nos uns aos outros; estes são conceitos muito perigosos que vão delineando o imperialismo, vão delineando o intervencionismo e tratam de legalizar o desrespeito à soberania dos povos. O respeito pleno aos princípios do Direito Internacional e à Carta das Nações Unidas devem constituir, senhor Presidente, a pedra angular das relações internacionais no mundo de hoje, e a base da nova ordem que propugnamos.

Permitam-me mais uma vez, para ir concluindo, citar a Simón Bolívar, nosso Libertador, quando fala da integração do mundo, do Parlamento Mundial, de um Congresso de parlamentares, faz falta retomar muitas propostas como a bolivariana. Dizia Bolívar na Jamaica, em 1815, já o citava, leio uma frase de sua Carta da Jamaica: "Que belo seria que o istmo de Panamá fosse para nós o que foi Corinto para os gregos, oxalá que algum dia tenhamos a fortuna de instalar ali um augusto congresso dos representantes das repúblicas, dos reinos, a tratar e discutir sobre os altos interesses da paz e da guerra, com as nações das outras três partes do mundo. Esta espécie de corporação poderá ter lugar em alguma época ditosa de nossa regeneração". Urge enfrentar de maneira eficaz, certamente, o terrorismo internacional, mas não o usando como pretexto para desatar agressões militares injustificadas e violadoras do Direito Internacional, que tem sido adotado como doutrina depois do 11 de setembro. Só uma estreita e verdadeira cooperação, e o fim dos duplos discursos que alguns países do Norte aplicam ao tema do terrorismo, poderão acabar com este horrível flagelo.

Senhor Presidente:

Em apenas 7 anos de Revolução Bolivariana, o povo venezuelano pode exibir importantes conquistas sociais e econômicas.

Um 1.406.000 venezuelanos aprenderam a ler e a escrever em aproximadamente um ano e meio, nós somos cerca de 25 milhões e, em escassas semanas, o país, dentro de poucos dias, poderá declarar-se livre de analfabetismo, e três milhões de venezuelanos antes excluídos por causa da pobreza, foram incorporados à educação primária, secundária e universitária.

Dezessete milhões de venezuelanos e venezuelanas -quase o 70% da população- recebem, pela primeira vez na história, assistência médica gratuita, incluídos os medicamentos e, em poucos anos, todos os venezuelanos terão acesso gratuito a um atendimento médico por excelência.

É fornecido hoje mais de 1 milhão 700 mil toneladas de alimentos a preços módicos a 12 milhões de pessoas, quase a metade dos venezuelanos, um milhão deles o recebem gratuitamente, de maneira transitória. Estas medidas geraram um alto nível de segurança alimentaria aos mais necessitados.

Senhor Presidente, foram criadas mais de 700 mil postos de trabalho, reduzindo o desemprego em 9 pontos percentuais, tudo isto em meio a agressões internas e externas, que incluíram um golpe militar planejado em Washington, e um golpe petroleiro também planejado em Washington. Que levem em conta as conspirações, as calúnias do poder mediático e a permanente ameaça do império e seus aliados, que até estimula o magnicídio. O único país onde uma pessoa se pode dar o luxo de pedir o magnicídio de um Chefe de Estado é os Estados Unidos, como ocorreu há pouco tempo com um reverendo chamado Pat Robertson, muito amigo da Casa Branca: pediu publicamente diante do mundo meu assassinato e anda livre, esse é um delito internacional, terrorismo internacional!

Pois bem, nós lutaremos pela Venezuela, pela integração latino-americana e pelo mundo. Reafirmamos aqui neste salão nossa infinita fé no homem, hoje sedento de paz e de justiça para sobreviver como espécie. Simón Bolívar, pai de nossa Pátria e guia de nossa Revolução, jurou não dar descanso a seu braço nem repouso a sua alma até ver à América livre. Não dêmos descanso a nossos braços, nem repouso a nossas almas até salvar a humanidade!

Senhores, muito obrigado.